sábado, 28 de janeiro de 2017


Os efeitos da crise no Estado do Rio de Janeiro no ensino superior e na pesquisa podem ter consequências longas e devastadoras. É o que dizem professores e pesquisadores, que sofrem com a diminuição de benefícios das agências de fomento, como a Faperj, e falta de infraestrutura nas instituições estaduais, como a Uerj e a Uenf, que sofreram cortes no orçamento.
A estimativa de um dos alguns estudiosos aponta que, em dez anos, o estado ainda sofrerá os efeitos da crise atual. A formação de professores e de novos profissionais de pesquisa também pode ser prejudicada pela falta de verbas e de estímulo. Apesar de alguns estudantes e professores afirmarem que o RJ vive o pior momento nas ciências em sua história, a comunidade acadêmica tenta se manter de pé por meio de iniciativas próprias.
Uma das faces mais visíveis da crise é a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Criada em 1980, a fundação é vinculada à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e é responsável pelo fomento às pesquisas no RJ por meio da concessão de bolsas e auxílio aos pesquisadores e instituições.
A Faperj informou ao G1 que, nos últimos três anos, os repasses para a instituição foram de cerca de 60% dos recursos previstos inicialmente. A fundação possui cinco mil bolsistas que recebem entre R$ 210 e R$ 5,2 mil, de acordo com o grau de instrução do pesquisador.
Falta de pagamento
Os contratos dos pesquisadores com a Faperj exigem dedicação exclusiva na maioria das vezes e eles são cobrados por relatórios e dados nos quais devem mostrar aos avaliadores que merecem continuar recebendo. Ao contrário de um trabalho comum gerido pela CLT, os pesquisadores não têm direito à FGTS, férias ou 13º salário. O último benefício depositado pela Faperj foi o de novembro, pago no dia 17 de janeiro.
Os problemas no pagamento vêm gerando atrasos e problemas nas pesquisas. Em reportagem publicada pelo G1 em março do ano passado, o biólogo Luiz Duarte, que é aluno do doutorado do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e trabalha na identificação e conectividade genética de peixes que vivem em recifes da Baía de Todos os Santos, já revelava problemas no sustento da pesquisa, o que estava atrasando o estudo. Algumas espécies investigadas pelo pesquisador estão em extinção e não possuem nenhuma informação genética armazenada no mundo. Uma delas terá a primeira sequência de DNA da espécie disponibilizada após a conclusão do trabalho. Atualmente, a situação é a mesma.
“Estou concluindo as análises com muito custo. Teria que defender o doutorado agora em fevereiro mas irei pedir prorrogação do prazo de defesa devido aos atrasos nas bolsas que influenciaram no andamento da pesquisa”, explicou Luiz.
O doutorando teve que colocar à venda alguns materiais pessoais para obter dinheiro para arcar com a viagem ao congresso onde apresentará os resultados da pesquisa. Cortes no fomento do CNPq e Capes também afetaram as pesquisas realizadas no Rio de Janeiro.
Luta para seguir funcionando
Na Uerj, onde Luiz estuda, os problemas também são graves. Pesquisadores ouvidos pelo G1 dizem que a falta de fomento pode afetar diversos setores dentro da área de educação, que vão desde a pesquisa de vacinas até a formação de novos profissionais.
A instituição não repassa desde agosto do ano passado, de acordo com a Associação de Docentes da Uerj (Asduerj). Pelos cálculos da subreitoria de graduação, a dívida do Estado do RJ com a Uerj soma R$ 360 milhões. A conta engloba custos com limpeza, segurança, salários, e bolsas de auxílio, por exemplo.
“A Uerj como um todo tem dificuldades para o seu funcionamento. Não foram repassados os recursos para o funcionamento da instituição. Além disso, a Faperj praticamente não repassou dinheiro de pesquisa. Projetos aprovados não foram liberados”, conta o professor Paulo Alentejano, um dos diretores do Asduerj.
O próprio Paulo, que é professor de Geografia da Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo, na Região Metropolitana do RJ, conta que as próprias pesquisas também estão sendo prejudicadas.
“Minha área é de questão agraria, sobre impactos socioambientais, bibliotecas populares nos assentamentos, muitos deles prejudicados porque não há combustível para colocar nos carros. Eu faço trabalhos de extensão em Macaé, em Campos dos Goytacazes. Não há funcionários para dirigir o carro, não tem combustível”, explicou Paulo, que já teve que colocar dinheiro do próprio bolso para seguir nas pesquisas.
A situação emocional dos docentes também é motivo de preocupação. “Muitos colegas estão devendo aluguel, tendo que renegociar, sendo despejados. Alguns estão com problemas de saúde, estresse. Não tem condições psicológicas de enfrentar, de dialogar com os alunos, com a insegurança que levam na própria vida. Estão adoecendo”, explicou Alentejano.
Perda de R$ 300 mil e atraso de 10 anos
O professor Eduardo Torres, da Faculdade de Medicina, trabalha com a pesquisas que estudam doenças que são muitas vezes negligenciadas, pois atingem pessoas que vivem em áreas com menos infraestrutura de pavimentação e esgoto como a doença de Chagas, verminoses e malária, por exemplo. O laboratório onde ele trabalha registrou uma perda de material de cerca de R$ 300 mil entre os dias 1º e 2 de janeiro com um apagão. O local não conta com o gerador da universidade, que não cobre todo o edifício.
Todos os pesquisadores entrevistados são unânimes em afirmar que esta é a pior crise que já viram na ciência do Estado do Rio de Janeiro. Para eles, os efeitos da crise atual, mesmo que as dívidas sejam sanadas imediatamente, os efeitos serão sentidos por muito tempo.
“Nos próximos dez anos ainda teremos resquício do que estamos tendo agora. Se você pensar que o que investimos há dez anos temos o reconhecimento agora, o nosso sucateamento hoje terá 10 a 15 anos para recuperar”, explicou Torres.
Alentejano concorda que os problemas no setor podem ter efeitos a longo prazo.
“Compromete o presente e o futuro, estamos comprometendo a formação de profissionais, de pesquisas em andamento que estão paralisadas, sobre o cotidiano da população, pesquisas sobre o zika e chikungunya, sobre novos procedimentos, estudos sobre violência urbana, a questão da educação, da formação de professores”, contou o professor.
A Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, também enfrenta problemas de infraestrutura. O início das aulas foi adiado em uma semana após professores encontrarem salas e veículos danificados. Documentos também foram revirados. De acordo com os servidores, a instituição funciona sem vigilância patrimonial desde outubro de 2016, porque a empresa que fazia a segurança suspendeu as atividades por atrasos no pagamento. Outros problemas também atrapalham o funcionamento da instituição.Um estudo comparativo feito pela Asduerj com base nos dados de algumas das principais universidades do país mostra que o orçamento per capita da Uerj é de R$ 28.424,78 e o da Uenf é de R$ 27.243,00. De acordo com os dados, é menor do que o de outras universidades de renome do país. Na USP, esse número seria de R$ 45.153,00, na Unicamp de R$ 63.938,00 e na UFRJ é de R$ 38.903,59. Ainda assim, a Uerj é uma das mais melhores universidades da América do Sul, segundo o ranking da Times Higher Education, uma das mais prestigiadas instituições do setor.
O início das aulas na Uerj está previsto para recomeçar dia 30 de janeiro. No campus, os alunos e professores se mobilizam. Lotado mesmo nas férias com um grande vai e vem de estudantes e docentes, o local conta até com um espaço para doação de alimentos. Todos lembram a importância de ocupar o espaço e mostrar que a instituição está firme apesar das adversidades. O prédio conta com vários cartazes que tentam fazer com que os visitantes não esqueçam sobre a importância de manter a instituição viva.

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